"Pobre de Mí, Pobre de Mí..."

Qual escalada do Everest, qual caçada no Kruger Park! Querem experimentar turismo verdadeiramente radical? Então venham daí comigo às Festas de San Fermín. Sim, aqui mesmo ao lado, em Pamplona.

A primeira actividade de risco começa na Portela. Quando vejo o bi-motor Beechcraft da Portugália estacionado na placa, penso que é uma brincadeira: lá dentro há 19 lugares, na coxia tenho de ir curvado que não se cabe de pé, a meio do corredor há um ressalto no chão para o trem de aterragem encaixar (tal e qual as camionetas antigas), e é tudo tão acanhado que se me estico ponho os pés no painel de instrumentos do piloto, pois o cockpit está mesmo ali à minha frente, separado por uma simples cortina. Isto tudo ainda antes de levantar voo…

Chegamos a Pamplona, e é a loucura total. Durante 356 dias no ano, a cidade é simpática, asseada, e tem cerca de 180.000 habitantes. Mas de 6 a 14 de Julho, transforma-se num circo de 1 milhão de turistas abancados em tudo o que é jardim, passeio ou praça. Não há 1m² de rua disponível.

Manda a tradição que o trajo seja branco da cabeça aos pés, com uma faixa vermelha à cintura (tipo Zorro), e um lenço também vermelho, que anda no bolso até começar a festa.

Exactamente às 12 horas do 1º dia, o presidente da câmara, da varanda do Ayuntamento, declara inaugurada a festa, enquanto a massa ululante que assiste nas ruas ou em directo na TV ergue o tal lenço acima da cabeça, e num gesto rápido o ata à volta do pescoço. Eu também o fiz, e acreditem que arrepia.

A partir daqui, começa a loucura. Imaginam aquele povo todo de branco e vermelho aos saltos na rua? ...bem, o branco é apenas na primeira meia hora, porque outra tradição são as batalhas campais de vinho tinto com sumos, que criam uma película peganhenta nas roupas, e que nos cola os ténis ao empedrado. Vi velhinhas respeitáveis de sessenta anos a levar banhos de “traçadinho” pela cabeça abaixo! E a rir!

Mas claro que o grande protagonista é el toro. Todos os dias às 8 da manhã em ponto, 6 touros são encaminhados do curral até à praça, onde irão ser corridos e mortos, como é costume em Espanha.

É um trajecto de 850 m por ruelas estreitas, e cujas laterais são vedadas, para que os bichos não se desviem. Ao estalar do foguete, desatam a abrir rua fora, e aquilo vai tudo à frente até ao fim da linha! Isto dura 5 minutos. Certamente já devem ter visto na televisão, pois é o ponto alto das festas, o encierro.

A rapaziada, cheia de testosterona, espera ansiosamente este momento para mostrar às miúdas que é muy macho. Depois de uma noite inteira a beber, tentando não adormecer para não falhar o grande momento, podemos imaginar o estado de sublimação dos jovens. Volta e meia lá vai uma cornada.

A tourada é outro momento único. Há bancadas de sombra e de sol, e aparentemente os espectadores são de galáxias distintas. Na sombra, o aborrecido é alguém querer ir ao bar e ter de passar pela nossa frente, tapando a visão. No sol, chato mesmo é descolar a lasanha que o vizinho esmagou na nossa t-shirt. Escolham sombra, vão por mim.

Para rematar a coisa, juntem-lhe os concertos noite adentro, as festas privadas (disso é que os americanos gostam), as tertúlias de amigos, onde tive a sorte de me "pendurar", bons companheiros de viagem e os anfitriões perfeitos, e eu já começo mas é a pensar em Pamplonês.

Por isso, quando na procissão de encerramento se canta o tradicional "Pobre de mí, pobre de mí, que se han acabado las Fiestas de San Fermin", eu acho que o que eles querem dizer é "Graças a Deus chegou ao fim, que eu não chego a velho, assim".

(Empreitem mais em: www.sanfermin.com)