terça-feira, 9 de dezembro de 2014

ABC da Valódia - E de Expatriado



São aos magotes (estimam-se em 200.000), os tugas que aqui trabalham de uma forma permanente. Denominados Expatriados, clube a que pertence este vosso criado, é uma tribo que fugiu ao colapso económico do país e procura uma oportunidade de carreira ou negócio nesta terra, que oferece tantas.

Se por um lado estão longe de tudo o que amam, por outro encontram muitas semelhanças com os lugares que deixaram, desde já a língua e a história. Mas não só: aqui bebem Super Bock, Eugénio de Almeida tinto e café Delta, comem bacalhau, vêm a SIC Notícias e gritam pelo Benfica (ou não...). 

Como bons cidadãos do mundo, onde chegam, acampam, e em pouco tempo recriam o habitat à semelhança da "terrinha". E fazem tertúlias, isso é que eles gostam, de festa, praia e copos! Agregam-se sempre nos mesmos locais, e passam a palavra uns aos outros onde se come “muita bem”, onde a lagosta é barata ou onde há umas praias porreiras.
  
Vencem assim os momentos em que não estão ocupados a trabalhar, e como a oferta é pouco diversificada, aproveitam os recursos naturais que este país tem, e são muitos. E adoptam expressões cá do sítio, como "Ya" ou "meu irmão". 

Uma experiência fantástica: ver um derby lisboeta na Casa do Sporting de Luanda, por entre cachecóis verdes, encarnados e azuis (!), e apupos ao árbitro. Transportamo-nos imediatamente para o estádio, só faltam as sandes de coiratos. E se nos lembramos de pedir tal coisa... até nos trazem uma!

Emigração por emigração, antes aqui que no Bangladesh.

Next: letra "F"!


domingo, 30 de novembro de 2014

ABC da Valódia - D de Demora

Já tinha sido avisado, mas nada como comprovar "in loco". Tudo Demora em Angola.

Por exemplo, imaginemos uma reunião marcada para as 15h00: na Alemanha temos a malta toda à porta da sala às 14H45; em Portugal, às 15H30 chega o primeiro gajo (isto se não for a uma sexta-feira); mas aqui... é muito provável que se realize 3 dias depois, e com metade dos participantes, porque entretanto o assunto já foi resolvido.

Em parte, a culpa é do trânsito, que é terrível, a qualquer hora do dia. Aqui, deslocamo-nos à velocidade de um caracol... congelado. Normalmente estima-se UMA reunião por manhã ou tarde, não dá para fazer mais. A dificuldade em estacionar também não ajuda, razão pela qual muita gente opta por ter um motorista (não por status, mas por necessidade).

Ao domingo, se queremos ir à praia, temos de acordar com as galinhas, e regressar antes das 16h00, senão é certinho que chegamos a casa de noite. Nós e as galinhas, bem entendido.

Mas, para além disso, é uma postura muito "africana" de que a vida é para se ir vivendo devagarinho, e não de uma só vez (ao estilo de Borba). Se calhar, não é uma visão errada de todo, porque stress é coisa que não há muito por estes lados. Mas claro que isto não se encaixa com o ritmo feroz a que se constrói por estas bandas. Devido a isso, raras são as metas que se cumprem no tempo previamente estabelecido. Diz-se que é uma das heranças dos portugueses; é capaz de ser.

Nos restaurantes não é diferente, e convém ir munido de alguma paciência, especialmente nos locais menos "ocidentalizados". Mas há mais: os pratos não chegam todos ao mesmo tempo, mas vão chegando à medida que prontos. Quando se é pastelão a comer, como eu, deve-se escolher algo rápido tipo uma carcaça com manteiga, para terminar ao mesmo tempo do bife e da pizza dos restantes comensais...

Bom, parece que vem lá o meu galão e a torrada; o melhor é despachar-me, que os outros já vão na sobremesa. A seguir ao almoço, vou começar a pensar no "E"...

domingo, 23 de novembro de 2014

ABC da Valódia - C de Candongueiro



Lembram-se daquele concurso de "quantos cabem num Mini"? Aqui há um parecido, com o Candongueiro. Os candongueiros são uma instituição em Luanda, um intermédio entre táxi e autocarro. São mini-bus de transporte público geridos por particulares, com cobrança de bilhete a bordo, e cuja receita ao domingo reverte para o motorista.

São quase todos Toyotas Hiace de um azul característico, e apesar de o parque auto ter melhorado e das regras de segurança apertadas a que são sujeitos, muitos devem já anos à reforma, vão superlotados, e são mais que as mães, entupindo o trânsito a qualquer hora do dia.

São eles que asseguram o transporte de milhares de luandenses dos bairros periféricos até ao centro, apanhando e largando passageiros ao longo do percurso. Sem os candongueiros, a economia parava.

São também conhecidos pela condução criativa dos motoristas (não há cá prioridades, e a contra-mão é um conceito que não existe), razão porque são um dos alvos favoritos da polícia, que os autua que nem tordos. Curiosamente, os outros automobilistas têm alguma compreensão pelos seus malabarismos, pois reconhecem a sua enorme utilidade para uma tão grande franja da população.

Ao princípio, quando um candongueiro passava por mim, um tipo enfiava a cabeça fora da janela e gritava algo que não entendia. Aquilo irritava-me, achava que me devia estar a mandar àquela parte, mas afinal era o "pica" a anunciar o destino, a ver se alguém mandava parar (gozem-me à vontade, vá...). 

Mais uma particularidade: as mensagens pintadas nas traseiras das viaturas são verdadeiras pérolas. Exemplos? "20 buscar", "Negro fofo", Sansão e Dadila", "Vais morré"... Acreditem, quando se está parado no trânsito atrás dum candongueiro, é boa disposição na certa.

Não me hei-de ir embora sem experimentar uma viagem. Estou aliás a preparar-me para isso, e ontem consegui meter-me com mais sete pessoas dentro do meu roupeiro. Mais uma semana e estou apto.

Esperem pelo "D", está aí a chegar...

terça-feira, 18 de novembro de 2014

ABC da Valódia - B de Buracos


Buracos. Há-os aos montes, de todos os tamanhos e feitios. Costuma-se dizer aqui que em Portugal, um sóbrio conduz a direito e um ébrio em zigue-zague, e que em Angola é ao contrário. 

Há alguns, em certas ruas, onde cabe um automóvel. Estou sempre à espera de ver sair de lá de dentro um tipo a correr atrasado para o emprego.

Mas não é só na estrada, no passeio é igual. É impossível um peão fazer 50 metros sem saltitar de poça em poça; existem sempre, mesmo em tempo seco. (Este é, aliás, um mistério que ainda não desvendei: de onde vem toda aquela água que enche as poças, quando não chove??).

No enorme Bairro Popular, por exemplo, houve em tempos uma belíssima rede de alcatrão que foi literalmente arrancada, deixando à vista a terra batida e os belos dos buracos. Aparentemente, devido a um "biziness" pouco claro... mas adiante.

Há ainda os buracos das caixas de esgoto, cujas tampas foram roubadas (o ferro fundido é um negócio). Os "rodinhas" mais pequenos correm sérios riscos de se meter por ali adentro e acordar na China (ou nos antípodas daqui, que não sei bem onde são).

O mercado dos jipes, esse floresce. E o dos amortecedores, também. 

Então adeusinho, voltamos à fala na letra "C"...

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

ABC da Valódia - A de Angola

Como não podia deixar de ser, Angola. Que país este, que cresce 6% ao ano, e acolhe 200.000 portugueses! Ou melhor, "pulas" ou "tugas", como são chamados aqui os nossos conterrâneos. O Capuchinho, farto de carregar com a cestinha, sempre a ver as mesmas árvores, os mesmos passarinhos, o bruto do lenhador e tal, resolveu vir espreitar.

Já vos disseram "é canja, gostas logo, aquilo é porreiro"...? Esqueçam! O primeiro embate é confuso, chocante, põe-nos a subir as escadas de regresso ao avião.

Terra onde chegamos noite cerrada, e um apagão põe o aeroporto remodelado completamente às escuras, com os funcionários a inspeccionar documentos à luz do telemóvel. 

Onde as ruas são pó e terra, mas os carros são escrupulosamente lavados (parece mal ter o carro sujo!), onde há pobreza na população, mas os telemóveis são todos "i" qualquer coisa, e onde a bebida preferida das autoridades é a gasosa... 

Aqui vende-se de tudo no meio da estrada, desde papel higiénico a roupeiros de quarto (não fosse o tipo de trás buzinar, e tinha comprado ali a secretária que tanto procuro...). As falhas de energia são o pão nosso de cada dia, e volta e meia lá vimos nós enrolados na toalha ligar o gerador para terminar o duche, a dizer palavrões enquanto saem bolhinhas de sabão da boca!

Mas depois... passa-se a "barreira", e a coisa entranha-se, como dizia o Pessoa. E aí, sim, gosta-se de verdade. Descobrimos um país em mudança, a fazer o seu caminho para a modernidade: constroem-se escolas, hospitais, hotéis, e nascem negócios como os cogumelos lá na floresta da avozinha. Os angolanos chamam-lhe "biziness".

Na rua cumprimentam-nos com um "bom dia, pai!", querem saber do Benfica (BLHEC!), já viveram na Parede, Odivelas ou Seixal. E dizem-nos que somos irmãos. E somos. Ou primos, ou enteados. Mas alguma coisa somos, temos de ser. 

O Capuchinho ainda viu pouco, mas vai tentar explorar o que puder: as praias, as ilhas, o Kissama, o Namibe, as quedas de água, tanta Angola para descobrir, tanta...

...

(Bem, e agora fiquei seco. Vou beber uma gasosa - mesmo a sério. Adeus, e até à letra B.)





domingo, 9 de novembro de 2014

ABC da Valódia - Um Blogue Dentro de Outro Blogue



Isto é uma estreia à séria! O gabinete de imagem do Capuchinho até convidou a imprensa para assistir ao lançamento, mas infelizmente só compareceu o correspondente do "Correio do Alentejo" e mesmo assim saiu ao fim de 3 minutos, pedindo desculpa pelo engano; julgava que se tratava de uma peça de teatro infantil.

Mas é uma estreia, dizíamos nós: este blogue vai albergar uma série temática, tipo Madrioskas de duas bonecas só. Abre-se o Capuchinho e sai de lá de dentro... o "ABC da Valódia". Trocámos a floresta pela savana africana e o lobo pelo leão (dizem que os há por aqui). A avozinha, essa vai ter que gramar com um Calulu com Funge.

Será uma série de apontamentos sobre Angola, essa bela terra tão divertida e cheia de contrastes. "ABC" porque vamos ter 26 letras (isso mesmo, K, W e Y também contam) que correspondem a outros tantos temas. Serão curtos, tipo "era uma vez... felizes para sempre" para não pesar muito. 

Que ninguém interprete como posições políticas nem segregacionistas o que não o é. Vai ser puro gozo, misturado com um cheirinho das experiências do Capuchinho (olha, versejei!)

Estejam atentos às bancas, e reservem já o vosso exemplar.

Agora vou comer os bolinhos, que sobrou para aqui comida que se farta.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O Machómetro

São notícias como esta (apesar de antiga) que nos dão alento a escrever aqui:


Portanto, se bem percebi, é assim: há uma espécie de comissão - a Junta - que determina o grau de homossexualidade de um indivíduo, com o objectivo de autorizar a anulação do seu matrimónio.

Imagino já o candidato, nervoso, perante a Junta constituída por um médico, um comediante de stand up e uma psicóloga jovem. O médico analisa a sua capacidade funcional, recorrendo a um dinamómetro (ver figura anexa). Para uma tensão superior a 3,6 Newton, o candidato é reprovado, com o grau 1 "Machão".


Se não o for, continua e passa ao comediante, o qual conta aquelas anedotas de gajos, que só se contam nas tascas do Cais do Sodré. Se o candidato se ri, salta logo fora: mostra que percebeu, e pior, gostou. Grau 2 "Regular, mas deve reforçar o seu entusiasmo".


Se se mantiver sisudo, há ainda esperança, e avança então a psicóloga. Preferencialmente, uma jovem atraente, que lhe faz um teste psicotécnico simples, interpelando-o da seguinte forma: "Olá fofo, tudo bem? Tens lume?" 


Para uma resposta do tipo "Desculpe, não fumo", aí sim, temos vencedor; o avaliado não captou devidamente a mensagem de sedução encerrada num maço de Marlboro Lights, ou então fugiu à tentação. É claramente um grau 3 "Flausino sem retrocesso" e terá direito à pretendida anulação.

Esta avaliação foi baseada em testes cientificamente comprovados pelo Massachussets Institute of Tecnology, nos EUA. Finalmente, falamos claro: não há lugar para "mariquinhas" ou afemeninados" na vida conjugal; ou se é ou não se é. É bom saber que os Canonistas estão atentos a estas questões da masculinidade. 

Se um dia me virem a comprar a biografia "José Castelo Branco - Toda a Verdade", peço-vos por favor: façam-me o teste. Mas aviso já: eu não fumo.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Mesmo à Frente do Seu Nariz

O casal aproveitou aquele sábado chuvoso para visitar a nova exposição de que tanto se falava.

Estranharam, assim que passaram o grande portão de entrada do museu: o funcionário do balcão estava completamente nu. Mas quando digo nu, é mesmo nu, sem uma saída de banho, uma echarpezinha, nada. E para mais, daquele tipo de nu que se pavoneia como se envergasse o seu melhor Hugo Boss.

Chegados à bilheteira, outro funcionário (nu, também) a troco de €40, estendeu a mão e entregou-lhes... nada. Quando os visitantes, admirados lhe perguntaram que brincadeira era aquela, respondeu com ar altivo: "meus caros senhores, esta é uma exposição da imaginação, aqui não vê nada, e no entanto vê-se tudo o que a mente quiser ver. Não sabiam?"

Para não parecerem um par de incultos, forçaram um "claro que sim..." e entraram na ala dos impressionista. E de facto, ficaram impressionados: a sala estava cheia de... nada. 




Trata-se da mais recente moda do MONA (Museum of Non-Visible Art), que parece estar a ser um sucesso pelo mundo inteiro. Pelo menos para a contabilidade do promotor desta arrojada forma de incentivar a criatividade humana. 




Várias pessoas suspiravam de deleite, trocando comentários ao admirar as cores, as texturas, a intensidade daquelas maravilhosas telas de... vazio.




Os dois incrédulos visitantes, depois de passarem por três salas iguais, entrarem na cafetaria onde deixaram mais €6 por duas bicas que nunca lhes chegaram às mãos, e procurarem os WC (que como era de esperar, não encontraram), resolveram sair, irritados, em passo acelerado. 

Mas tiveram tanto azar que, na pressa, esbarraram no placard com o horário que estava no hall de entrada, naturalmente invisível.

Já no posto médico do museu, o marido foi suturado com 3 pontos, desta vez bem notórios no alto da testa.


Não acreditam? está aqui a história: mais-nova-e-absurda-tendencia-artistica-de-hollywood/

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O Roubo do Ano

Foi um choque lá em casa quando se soube: o Firmino foi apanhado a roubar! Estava a dar na SIC Notícias.

O patrão, o padeiro da aldeia, já desconfiava. E por isso, resolveu "marcar" as moedas com duas pintas azuis, na presença de dois colaboradores. E foi assim que apanhou o larápio, com... 70 cêntimos no bolso.

Fomos visitar a família, e o pai confessou-nos que o filho sofre do Síndrome do Pequeno Furto,  um impulso irresistível por se apropriar por tudo o que tem pouco valor. É uma doença recentemente diagnosticada, que não deve ser confundida com a Cleptomania. Nesta, o doente apropria-se de bens valiosos. No SPF, não: há até uma clara repulsa pelo chamado "grande roubo".

Contam-se casos de pacientes que chegam a roubar uma carteira e, a meio da fuga, param para retirar da mesma o dinheiro que consideram em excesso, ficando apenas com um punhado de Euros. Firmino fora, aliás, detido em Março do ano passado por esse motivo: foi devolver o excedente, bem como o cartão do cidadão que veio por engano; como entretanto a vítima chamara a polícia, foi detido em flagrante devolução do bem roubado.

Segundo o pai: "Desconfiámos que tinha tido uma recaída, porque começaram a desaparecer coisas cá de casa: o colar de pechisbeque da Etelvina, que estava junto às jóias da minha falecida sogra, e uma carteira de fósforos que por acaso já não acendiam. Mas isto, nunca pensei! 70 cêntimos, valha-me Deus. Está pior!"


À hora a que recolhíamos este testemunho, o casal aguardava o regresso do filho, vindo do tribunal que o absolveu, a tempo do almoço. Mas por cautela, esconderam os talheres de plástico.

Toda a notícia aqui: padeiro absolvido


quarta-feira, 26 de junho de 2013

“Ich Bin Ein Berliner!”

Li hoje um artigo curioso. 

A célebre frase proferida por Kennedy na sua visita a Berlim em 1963, em plena Guerra Fria, foi cuidadosamente preparada pelos seus assessores. O artigo ein (um, aplicável a objectos e não a pessoas) terá sido um lapso que acabou por fazer sentido na frase, uma vez que Berliner tanto significa um habitante da cidade como o conhecido e apreciado bolo. 

Na prática, o que o Presidente disse foi “Eu sou uma Bola de Berlim!”.

Engraçado, estava a ler isto na praia, enquanto saboreava um... Kennedy. Com creme!