- O gajo passou das marcas! – dizia Francisco Louçã, com aquele ar inflamado com que interpela o Governo no Parlamento.
- Ò filho, mas tu chamaste-lhe manso… (a tia olhava-o condescendente, enquanto afagava Trotsky, o gato persa que o sobrinho lhe oferecera, e que dormitava no seu colo).
- Mas ò tia, um primeiro-ministro não pode perder a compostura, seja por que razão for! Não pode!
- Manso, Francisco, manso. Mansos são os bois, nunca ouviste falar? Estavas a chamar boi ao homem…
- Não interessa. Ele tinha que se aguentar. Não podia responder aquilo. Eu vou fazer uma queixa ao Grupo Parlamentar do PS, ai vou, vou! (Louçã espumava).
- Meu querido, sossega, vá. Olha, já que estás aqui, vê se me arranjas a torneira da cozinha, está a fechar mal. Fazes isso?
- Outra vez a torneira? Mas o senhorio esteve cá a semana passada! Não arranjou isso?
- Não sei, se calhar não reparou (dizia a senhora em tom apaziguador). Mas vais buscar a caixa das ferramentas que o teu tio guardava na dispensa? Faz lá isso, está bem?
- Nem pensar! Os gajos têm de cá vir amanhã mudar a torneira! Onde já se viu? Levam couro e cabelo em rendas ao fim do mês, exploram os reformados até à última, e nós é que temos de reparar a casa? Nããão!
- Francisco, amanhã já tenho a água a chegar aos tacos do corredor. Pegas na fita de nastro e passas duas voltas no raio da torneira. Custa-te muito? – A voz já denotava algum desespero.
- E pagam o soalho novo, qual é a dúvida? Esta gente tem de se consciencializar que não pode brincar com os remediados, os mais desfavorecidos, os que não têm voz!
- Sem voz já estou eu! Se não ajudas, eu peço ao Sr. Marques da leitaria. Esquece! (O gato saltara já do colo e fora dormir para a marquise).
- Sem voz já estou eu! Se não ajudas, eu peço ao Sr. Marques da leitaria. Esquece! (O gato saltara já do colo e fora dormir para a marquise).
- ... com esse feitio, queres tu ser primeiro-ministro. Irra!
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